A botinha que emplacou

Do maldoso apelido à consagração como o carro mais
barato, o Uno e sua família têm muita história para contar

Texto: Fabrício Samahá - Colaboração: Bob Sharp - Fotos: divulgação

Cabo Canaveral, Flórida, EUA. A atmosfera futurista do mais famoso local de lançamentos espaciais do mundo -- hoje Cabo Kennedy -- foi o palco escolhido pela Fiat italiana para apresentar à imprensa, em 20 de janeiro de 1983, seu primeiro automóvel mundial. De estilo igualmente avançado, o Uno vinha substituir o 127 e marcava um importante passo na história da Fabbrica Italiana de Automobili Torino, tanto na Europa quanto no Brasil.

Proposta inicial: o projeto 143 do Centro Stile Fiat, em 1978. Abaixo, em fase mais adiantada

Mais que necessário diante do envelhecimento de seu antecessor, lançado em 1971 e do qual havia sido desenvolvido o 147 brasileiro (leia história), o Uno chegava para combater a invasão japonesa em seu segmento de carros pequenos. O projeto começou no final dos anos 70 com dois estudos, o 143 e o 144 -- o primeiro desenhado pela equipe de Pier Giorgio Tronville, do Centro Stile Fiat, o segundo pela Italdesign de Giorgio Giugiaro.

O 144 era um projeto para a Lancia, marca de luxo do grupo, mas acabou aprovado pela Fiat, em dezembro de 1979, com a condição de que fosse rebaixado em 5 cm, alongado em 12 cm e tivesse o interior reformulado, com menos requinte. Isso originou o Tipo 146, simplificado para Tipo 1 -- uno, em italiano. Em meados de 1982 começava a produção em série, após quatro milhões de quilômetros rodados com protótipos.

O 144, proposta de Giugiaro para a Lancia, acabou sendo o escolhido. Nesta fase, no final de 1978, note a coluna larga ao estilo do VW Golf, também sua obra

As linhas do Uno eram modernas e aerodinâmicas, com o baixo coeficiente aerodinâmico de 0,34 -- na versão ES chegava a 0,33. Concorriam para esse resultado a frente em cunha, a traseira truncada (corte quase vertical, o que disciplina melhor o fluxo de ar na região), a ausência de calhas no teto, os vidros "à flor da pele", rentes à carroceria, e os pára-choques envolventes.

Entre os detalhes curiosos estavam as maçanetas embutidas (embora na versão de cinco portas fossem convencionais) e o limpador de pára-brisa com um único braço (que viria a ser o terror dos cobradores de pedágio...), mas de ampla área de varredura. Curto (3,64 metros) e estreito (1,55 metro), era porém alto (1,43 metro). Isso permitia uma colocação elevada dos bancos, com reflexo no aproveitamento do espaço -- até hoje um de seus pontos fortes.

Em 1979, com o andamento dos estudos, as linhas quase definitivas do cinco-portas. Pequenas janelas traseiras melhoravam a visibilidade

No interior, moderno e funcional, destaque para os "satélites" do painel, conjuntos de comandos próximos ao volante, e o cinzeiro corrediço e removível -- para limpeza ou para os que não querem que se fume no carro. Os instrumentos incluíam um sistema de verificação que apontava defeitos ou irregularidades em diversas funções.

O porta-malas trazia o estepe e podia ser ampliado de 225 para 250 litros com alteração na inclinação do encosto do banco traseiro. Na Europa eram oferecidos motores de 903, 1.116 e 1.301 cm3, com potência de 45, 55 e 70 cv, na ordem. O primeiro era a antiga unidade de comando no bloco e virabrequim de três mancais, e o mais potente alcançava 165 km/h.

O modelo definitivo, em 1980: maçanetas embutidas, amplos vidros, um só limpador de pára-brisa e o formato que ganharia o apelido de "botinha ortopédica" no Brasil

Era um carrinho de conceito simples e moderno, com motor transversal, tração dianteira e suspensão McPherson com mola helicoidal à frente. Na traseira era usado eixo de torção, também com mola helicoidal. Eleito Carro do Ano na Europa no mesmo ano, logo ganhou novas versões. Já em maio vinha o motor a diesel de 1,3 litro e 45 cv; em outubro era apresentada a versão conceitual Uno-matic 70, com transmissão de variação contínua (CVT), que se tornaria disponível apenas em 1987 no Uno Selecta.